segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

UMA CRÔNICA DO LENINE DE CARVALHO - A LONTRA E EU


                                                                                            
                                                                                   
    A LONTRA E EU

© Lenine de Carvalho
 
Havia uma lontra.
Eu estava dentro do barco, no rio Paraná.  Fazia de conta que pescava, ouvindo a música da água, dividida pela proa do barco, ancorado longe da margem.
Então,  a lontra apareceu,  à direita, a poucos metros de distância. Tirou apenas a cabeça fora da água, com um peixe na boca, e olhou-me com olhos redondos e profundos. Mergulhou novamente,  e era como se não tivesse estado alí.  Mas, a visão daqueles olhos permaneceu, flutuando sobre o rio...

Sózinho no barco, busco na superfície líquida aqueles olhos, conhecedores de profundidades que nunca alcançarei.  O rio é um espelho a refletir um céu falso, com inexistentes nuvens. Sou tomado, então, por uma dolorosa ansiedade de ver novamente a lontra, o pelo liso escuro brilhando na água. Parece tão macio... Parece pedir uma caricia...  Mas não! Caricias, carinhos, são coisas de humana invenção, para sabotar angústias, enganar carências, dissimular inseguranças,  afastar solidão...

Silenciosamente,  ela apareceu novamente, mais próxima agora, como que para investigar quem era aquele bicho estranho que estava alí, a perturbar a harmonia e o equilíbrio de seu mundo perfeito. Pude observar melhor aqueles olhos líquidos, brilhantes, redondos e expressivos. Pareciam querer dizer-me algo, pareciam querer transmitir alguma mensagem, muito, muito importante, sobre nós dois, alí naquele lugar, naquel emomento...
Esforço-me por compreender, tento,  agora quase em pânico,  entender o importantíssimo segredo, que a lontra quer me transmitir. Tenho medo de não conseguir, tenho muito medo que se perca para sempre algum tipo de estranha revelação que brilha misticamente naqueles olhos escuros...

Estamos imóveis, eu e a lontra, no meio do rio Paraná, em uma tarde feita só para nós dois e o rio. Fito aqueles olhos, agora já familiares, conhecidos desde a primeira noite dos tempos. E uma compreensão mútua nos une então...
Apesar de termos corpos diferentes, pertencemos ao mesmo misterioso princípio que nos une nesse instante mágico, tornando o momento infinito...

Lentamente, ela mergulha. Lentamente eu volto para onde estou... Mas, agora, já não tão só... 
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